segunda-feira, 24 de março de 2008

Lázaro Ramos, a entrevista - Final

Lázaro Ramos, fotografado por Simone Talarico-Ross, no Balboa Park, em San Diego.

STR: Lázaro, você trabalhou em filmes onde seus personagens são bem diferentes. Você foi de “Madame Satã”, passando por “O homem que copiava”, “Meu tio matou um cara”, “Carandiru” e outros, chegando agora em “Saneamento Básico, o filme”. Como você escolhe seus papéis? Hoje em dia tem mais uma escolha consciente. Poder escolher é uma coisa mais recente. Na verdade eu dei muita sorte no início, porque eu fui chamado prá fazer personagens muito distintos. E eu gostei disso, gostei de exercitar o lado oposto em cada personagem que eu fosse fazer. Tanto é, que se você for perceber, geralmente depois que eu faço uma comédia, eu faço logo um drama, aí volto prá comédia. Eu gosto muito de exercitar o meu trabalho em coisas que eu ainda não fiz anteriormente. Então geralmente quando alguém me convida prá um trabalho muito diferente eu já fico com olho brilhando prá fazer!

STR: Como você compõe os seus personagens? Sempre através da intuição, em primeiro lugar. Eu venho de uma formação de teatro de improviso. E isso faz com que a gente fique muito maleável. E eu trouxe isso para o cinema e para o teatro também. Cada trabalho que eu faço, eu procuro inventar uma técnica diferente. Se for preciso fazer laboratório e morar na Lapa, como eu fui na época do “Madame Satã”, eu vou. Se for preciso me anular e apenas respeitar o roteiro e falar como está escrito, como eu fiz no “O homem que copiava”, eu faço. Eu tenho a impressão que eu começo os personagens do zero, eu nunca venho com os conceitos que eu conheço, como ator.

STR: Como é o Lázaro no dia a dia? Eu acho que eu sou parecido com o personagem que eu tô fazendo agora, na novela Duas Caras. Eu faço um jovem que tem uma grande adimiração pelo padrinho dele e esse jovem tem um potencial muito grande mas ainda não tinha caminhado para o mundo. E eu acho que, até pouco tempo, eu fui assim. Eu sou muito apegado às minhas origens, à família. E isso é uma coisa que esse personagem tem. Outra característica que eu tenho é ser muito bem humorado, algo que vem da minha mãe.

STR: Você vive da sua arte desde 2000, você se sente privilegiado por viver de arte num país como o Brasil? Eu faço parte de um pequeno grupo de privilegiados, porque o Brasil é um país que tem muito talento, mas são poucos os eleitos que conseguem sobreviver dessa profissão. Eu fico muito feliz em fazer parte disso e por isso procuro fazer sempre com responsabilidade. É um misto de orgulho com consciência da responsabilidade que eu tenho também, por ser um desses poucos eleitos.

Lázaro Ramos, recebendo a homenagem feita pelo San Diego Latino Festival
STR: Você é um crítico do seu trabalho? Sempre! Todos os filmes meus que eu assito, eu vejo primeiro os defeitos, depois as qualidades. Eu sou muito crítico! Só na terceira vez que eu vejo o filme, é que eu consigo ver as qualidades.

STR: Fale um pouco desse seu personagem em Duas Caras, um protagonista negro, na novela das oito (que, na verdade, passa às nove da noite). O personagem é o primeiro herói romântico negro de uma novela das oito, no Brasil. Acho que é um grande passo. Eu acho que a gente não pode é parar por aqui. Existe uma grande parcela da população que precisa se ver representada, nós somos consumidores e também queremos nos entreter vendo as nossas histórias. E eu acho que é por isso também que tem crescido a inserção de atores negros no entretenimento, no Brasil – no cinema, na televisão, no teatro. Porque tem um público que consome isso e diz: “Ah, eu quero ver isso também!”. E tem uma outra coisa também, eu tenho com essa tese aí e vou estudar mais isso com cuidado. Eu acho que tem uma renovação das histórias, também. Porque a gente tem feito, se você for ver o ciclo de histórias da dramaturgia, no Brasil, as histórias acabam se repetindo, não é? E, de repente, quando você pega os atores negros, esses personagens com um histórico diferente, acaba que traz um frescor à dramaturgia. Você assiste aquela história e diz: “Nunca tinha visto isso antes!”. Às vezes é a mesma história. A história que eu estou fazendo na novela, nada mais é que um “Romeu e Julieta”, só que é um romance inter-racial, e de repente, você assiste, e tem um sabor novo, você já ganha uma novidade no seu entretenimento.

STR: Você acha que televisão, no Brasil, seria uma ferramenta boa prá se trabalhar essa luta? É também, mas eu acho que o problema é muito grande prá você ter somente uma frente de combate. Acho que tem algumas mensagens que cabem mais facilmente no cinema do que na televisão, há um aprofundamento diferente que o cinema pode trazer e o cinema deixa um documento histórico, não é? A televisão, por ter um interesse financeiro, às vezes não permite esse aprofundamento. Acho que a gente tem que usar tudo, a gente tem que estar presente em tudo. O importante é todo mundo ter oportunidade de dar seu depoimento, seja lá onde for.
STR: Você usa o seu programa Espelhos (veiculado pelo Canal Brasil) como uma dessas ferramentas? Eu dirijo, apresento, ajudo a editar e produzo o Espelhos. O primeiro ano do programa foi para abrir uma discussão sobre questões ligadas à população negra. O segundo ano, em 2007, já foi um desdobramento dessa relação, para falar sobre pessoas que a gente admirasse, como D. Yvonne Lara, Alcione, ou para falar sobre assuntos como o amor e racismo. Já a temporada desse ano pretende falar sobre outros temas, que não seja cultura ou esporte, como tecnologia, saúde, sexo. E, nesse ano, a platéia ainda é de negros, mas a idéia é inserir a gente num contexto que não seja aquela do clichê dos assuntos que o negro discutiria na televisão. O programa de estréia é com Tom Zé.
STR: Planos para o futuro? Tem um filme que eu escrevo há dois anos, um dia eu termino – porque ser roteirista é um talento que precisa ser lapidado -, então eu ainda estou escrevendo esse roteiro, que em 2010 eu vou fazer. A história é de uma avó e uma neta, da relação delas duas e chama-se “Liberdade”. Vou falar de mulher, um universo muito mais interessante do que o masculino. Eu acho a cabeça das mulheres muito mais à frente do que a nossa. Acho que elas cometem várias falhas também. Mas o personagem feminino me interessa muito mais. Adoro a alma feminina, como contador de história. Tanto é que, às vezes eu noto, que alguns personagens meus, têm um aprofundamento que é feminino. O próprio “O homem que copiava”, tem um olhar feminino do personagem, tem uma delicadeza feminina ali. Tem uma complexidade da sutileza que é feminina.

STR: “Saneamento Básico, o Filme”, marca a quarta vez que você trabalha com Jorge Furtado. É uma preferência consciente? Eu adoro trabalhar com ele! É um diretor que eu admiro muito. Eu gosto muito da dramaturgia dele e os textos do Jorge, prá mim como ator, são muito fáceis de serem ditos. Eu leio o roteiro dele e já entendo. Eu tenho uma sintonia muito grande com ele.

2 comentários:

Anônimo disse...

Interessante este seu blog. Pena que o Brasil não valoriza os talentos que possui...

Pessoas tão talentosas tendo que se virar do outro lado do mundo!

Mas, se Deus é brasileiro como dizem, é só a gente perseverar que tenho certeza que o reconhecimento um dia vai chegar!!!

Abraços,
Marcelle do Brasil

oshiro disse...

Parabéns pela Entrevista, Simone!
Lazaro Ramos tem mostrado muito talento nas suas atuações, lembro do primeiro filme que eu vi dele, foi Carandiru.